quarta-feira, 25 de setembro de 2013

MANOEL LUÍS: A REDIMENSÃO DA ANTROPOFAGIA

Painel no saguão do Hotel Alvalade - Luanda
Ainda não sei bem definir esta experiência de estar em Luanda, ministrando o módulo de Comunicação e Educação Previdenciária no curso de Pós Graduação em Previdência Social na Universidade Agostinho Neto (UAN). O curso é resultado de uma parceria entre a UAN e a ATEST Consultoria Atuarial (MG).

Sei que demoro um pouco para processar muita informação nova e simultânea. Aqui é um mundo original, mas que exige muitos mapas mentais novos para ser lido. Ontem, a caminho da UAN, uma professora convidada, especializada em Direito Ambiental, comentava sobre o delicado processo de descolonização portuguesa que deixou o país extremamente frágil em relação às referências culturais e práticas políticas. Não tenho muita certeza, mas foi assim que registrei a prosa, porque estava distraída com a paisagem.

Luanda tem um pouco de tudo junto e misturado. Europa, América, Oriente. Muito carro nas ruas congestionadíssimas especialmente à tarde. O petróleo é a principal riqueza do país. Tem muito gringo. O mercado imobiliário está aquecido com as construções novas e a revitalização da cidade militarizada: marca registrada de um país que viveu a guerra há pouco mais de uma década.

Por mais que eu me esforce, qualquer coisa que eu escreva parece superficial. Qualquer coisa que eu pense parece incompleta. A verdade é que minhas referências não são muito úteis aqui em Angola. Então, deixo a vida me levar e apuro os ouvidos para as histórias que posso registrar.

Antropofagia local

Enquanto esperávamos os professores no estacionamento, Manoel Luís - profissional do quadro da UAN - muito timidamente resolveu compartilhar comigo sua história pessoal. Começou com uma irmã que 'coincidentemente' estuda talvez Contabilidade em São Paulo mas há muito tempo ele não vê. Quando era menino, mal conheceu o pai. Saiu de casa aos 16 anos porque tinha sonhos. A habilidade em Matemática abriu caminhos informais e formais que o levaram até a UAN.

Hoje, com 27 anos e parte dos sonhos da adolescência realizados, porque Deus cuida de nós, Manoel tem dois filhos, duas casas, carro e moto. E ainda tem muitos sonhos. A formação em Jornalismo é um deles. Por enquanto, para compensar a vontade de ter uma outra carreira, consegue encontrar muitos sentidos na música. Diz que se sente privilegiado por estar com professores de todos os cantos do mundo. Ainda que sejam quase tão breves quanto relâmpagos no céu, ele aproveita esses pequenos momentos conosco para absorver ao máximo um pouco de todos nós.

De verdade, a história me comoveu até os ossos. Porque eu sempre me senti em pleno exercício da antropofagia. Sempre me envaideci da influência da história de Oswald de Andrade. Mas, na minha experiência, sempre sou sujeito desse processo. Aqui virei objeto. Assim, no estacionamento, sem aviso, à queima roupa. 

A alternância de papeis é um dos fenômenos mais fascinantes, emocionantes e surpreendentes da ComunicaçãoA conexão também. A gente nunca tem a dimensão exata da extensão, do alcance, da transformação que provoca. Mas dá para entender que esse é o jeito mais significativo de viver um processo de reconhecimento da interdependência, muitas vezes inexplicável por palavras.

Agora vou me preparar para mais uma aula, rezando para que todos os meus alunos tenham a mesma fome de conhecimento do Manoel Luís que me lembra um filme de 1983, protagonizado pelo David Bowie e a Catherine Deneuve chamado Fome de Viver. Antropofagia pura!

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