terça-feira, 8 de outubro de 2013

EDUCAÇÃO NÃO SE FAZ POR ATACADO

Todo mundo sabe que ele é um gênio na Neurociência (clique aqui). O que nem todo mundo sabe é que ele também comanda uma experiência educacional e de transformação social muitíssimo bem sucedida com alunos de escolas públicas de Natal (clique aqui). Miguel Nicolelis, idealizador do projeto Walk Again (clique aqui), é ainda autor do livro Muito além do nosso eu - a nova Neurociência que une cérebro e máquinas - e como ela pode mudar nossas vidas.

Neste fim de semana, eu comecei a leitura e, desde então, estou profundamente incomodada com um trecho da reflexão densa e muito técnica de Miguel Nicolelis. Está lá, no início da página 55 do livro:

"A maior parte da informação sobre o ambiente onde vivemos e o corpo que habitamos chega ao cérebro como resultado de comportamentos exploratórios iniciados por ele mesmo. A percepção é um processo ativo, que começa dentro da mente e não na periferia do corpo de carne e osso que constantemente entra em contato íntimo com o universo. Por meio de uma série de comportamentos exploratórios, o cérebro testa continuamente seu próprio ponto de vista diante do fluxo de novas informações que recebe".

Coloquei esses grifos no texto, porque foram as expressões que mais incômodo me causaram. A minha dúvida foi a seguinte: se é o cérebro que decide o que valida ou não como experiência legítima, então como conseguir que ele valide as propostas de Comunicação e Educação que elaboramos? Nicolelis segue com a explicação muito desconsertante, mas que ao mesmo tempo pode ser uma grande luz para quem está obstinado com o propósito da Comunicação e da Educação Previdenciária.

"Mesmo que rotineiramente experimentemos na ponta dos dedos as sensações de textura, forma e temperatura na realidade elas são cuidadosamente esculpidas pelo cérebro durante a fração de segundo na qual a pele entra em contato com um objeto para transmitir, através do emaranhado de terminações nervosas espalhadas pelo corpo, toda uma gama de dados sensoriais para o sistema nervoso. Se algumas dessas informações ascendentes não confirmam a expectativa criada pelo cérebro, ele reagirá criando um momento de surpresa e desconforto, como o que experimentamos quando abrimos a embalagem de pão em busca de uma fatia crocante e nos deparamos com uma massa amolecida que nos causa repulsa".

Talvez aí esteja uma dica sobre o sucesso de uma metodologia que as empresas têm usado para atrair clientes: a experiência de uso. Automóveis têm test drive. Alimentos têm degustação em supermercados. Produtos eletrônicos oferecem uma experiência de uso de um mês, uma semana ou o dinheiro de volta. O cliente entra em contato com a proposta e testa se a experiência está ou não alinhado à expectativa criada pelo convite, pelo discurso da empresa.

"O mesmo processo comparativo ocorre durante nossa refinada inspeção visual, auditiva, gustativa e olfativa do mundo que nos rodeia. Todos esses processos indubitavelmente humanos brotam da mesma nascente, vastas tempestades elétricas cerebrais a que costumamos nos referir, de maneira quase distraída e casual, como pensamentos". 

Escolhi este trecho do livro de Miguel Nicolelis para sustentar uma percepção antiga que, cada vez mais, fica clara para mim: Comunicação e Educação não são feitas por atacado. Você pode até fazer, mas a adesão à ideia, a aceitação da proposta, a transformação do comportamento acontece no varejo. Ontem o Jornal Nacional iniciou uma série de reportagens sobre Educação Financeira e Previdenciária (clique aqui). Na matéria que foi ao ar, o professor de Finanças Pessoais da UFSC, Jurandir Macedo Sell quantificou o resultado imediato do trabalho que faz em suas salas de aula. 90% dos alunos se dizem dispostos a poupar para a aposentadoria. Mas apenas 4,8% efetivamente adotam a proposta de disciplina pessoal necessária à concretização do projeto.

Veja: todos estão expostos ao mesmo estímulo em sala de aula. Todos teoricamente estão predispostos a mudar o comportamento. Todos têm potencial para validar o conhecimento e as informações qualificadas compartilhadas pelo professor. Mas além da autonomia do cérebro, muito provavelmente a variável tempo influencie nesse processo: nem todos são maduros para entender de uma forma completa aonde o professor quer chegar com sua orientação. Porque escolhas sensatas, sem dúvida, são produto de uma interpretação analítica e não da simples aceitação de uma ideia.

Mas a Educação e a Comunicação dão resultado no tempo. O cérebro talvez precise de muita exposição às mensagens qualificadas para transformar o comportamento. Mas, quando ele faz as melhores escolhas, o resultado é sustentável e de longo prazo. Vou encerrar este post com outra matéria mais antiga do Jornal da Globo, que mostra uma investigação da Faculdade de Economia e Administração (FEA/USP) sobre os resultados dos investimentos em Educação Pública após 100 anos. Os ganhos econômico e social são em escala. A qualidade de vida, o desemprego, a autonomia, a emancipação, a dignidade e, principalmente, o reconhecimento do valor da escola se transmitem para o DNA do cidadão.




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