sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O VALOR ALÉM DA AUTORIA

Chegou a sexta-feira, e eu concluí a leitura do livro de Kevin Ashton (MIT): A história secreta da criatividade - descubra como nascem as ideias que podem mudar o mundo. No post anterior eu me referi a ele, falando que o autor desconstrói o mito do gênio e coloca a criatividade como resultado de trabalho, trabalho e trabalho. Simples! SQN.
Hoje, vou falar de outro conceito que ele desenvolve. Não tem um nome específico, mas para simplificar, vou chamar de interdependência ou cadeia criativa. Significa que você nunca está sozinho quando está produzindo. No mínimo, tem que considerar os milênios de civilização e cultura que  precederam, influenciam e - quase sempre - determinam os resultados do processo. É verdade!
Eu já havia visto essa abordagem em outro livro - A angústia da influência, de Harold Bloom. A diferença é que Bloom não desconstrói o mito do gênio. Por uma simples razão: seu foco é a sensação dos gênios sobre o processo de criação. O foco de Ashton é o processo de criação, comum a todos, inclusive aqueles que recebem o reconhecimento e criam uma reputação diferenciada.
Mas o que me faz escrever um post não são as diferenças de abordagem (as duas fantásticas). Ashton tem um olhar muito realista para a questão da criatividade. A criatividade, como eu acredito, não é acaso. Ela é muito mais obstinação. Ela ajuda a superar, por exemplo, as rejeições, os fracassos, os bloqueios, os preconceitos, os condicionamentos que são comuns a todos nós. É simplesmente uma força que nos faz fazer mais e melhor. Em outras palavras, a criatividade nos faz sair da zona de conforto para enfrentar o desconhecido.
"Os tomadores de decisão e as figuras de autoridade nas empresas, na ciência e no governo dizem que valorizam a criação mas, quando são testados, eles não valorizam os criadores. Por quê? Porque as pessoas mais criativas tendem a ser mais divertidas, pouco convencionais, imprevisíveis, e tudo isso as torna mais difíceis de controlar. Embora a maioria de nós afirma que valoriza a criação, na verdade damos mais valor ao controle. E assim tememos a mudança e favorecemos a familiaridade. Rejeitar é um reflexo". [p. 94] 
A criatividade também depende de antecessores. É um processo de aprimoramento contínuo, incremental. Já escrevi sobre processo incrementais, relacionados a inovação. Mais do que explicar, Ashton demonstra essa cadeia nos agradecimentos de seu próprio livro, correlacionando cada argumento de capítulo a todos aqueles que indicaram fontes, sugeriram ideias, contribuíram com críticas e novos caminhos.
Quando estamos envolvidos com a criação, seja de um post, de um avião, de um submarino, de vacinas, a gente perde um pouco essa dimensão da cadeia, da interdependência, porque mergulhamos fundo para achar as soluções. Mas a propulsão para ir mais e mais fundo, normalmente é externa.
Você já parou para imaginar quanto conhecimento, processo, robôs e pessoas estão envolvidos na produção de uma lata de Coca-Cola? Quanto tempo de criação está envolvido numa lata de Coca-Cola?
"Houve um tempo em que nos ajoelhávamos à beira de um riacho para pegar água com as mãos. Agora, puxamos um anel numa lata de alumínio e bebemos ingredientes cujos nomes não sabemos, vindos de lugares que desconhecemos, misturados de modos que não entendemos.
[...]À medida que a mineralização e a carbonatação se tornaram comuns, as propriedades curativas associadas à água de fonte recuaram em favor de remédios e tônicos que continham ingredientes exóticos, como o fruto do baobá africano e raízes supostamente extraídas de pântanos. Muitos desses 'medicamentos patenteados' continham cocaína e ópio, o que os tornavam eficazes no tratamento da dor (ainda que nada mais do que isso) e também viciantes.
Um desses remédios, inventados por John Pemberton na Geórgia em 1865, era feito de ingredientes que incluíam noz-de-cola e fola de coca, além de álcool. Vinte anos depois, quando algumas partes da Geórgia proibiram o consumo de álcool, Pemberton fez uma versão não alcoólica, que chamou de 'Coca-Cola'. Em 1887, ele vendeu a fórmula para um farmacêutico chamado Asa Candler".
 O que esta versão da história não conta é que a fórmula custou U$ 500. Acho que é porque há controvérsias. Mas Pemberton estava falido. E Candler era, então, um farmacêutico pobre. Mas seu mérito foi uma decisão incremental que salvou a fórmula e criou um império: acrescentar água gaseificada à receita.

Daria para ficar esta sexta-feira inteira recontando as histórias fascinantes do livro de Ashton que tratam de Wood Allen, South Park, aviões, bactérias, radição, tecnologia da informação, Vila Sésamo e tantos outros segmentos criativos nem sempre óbvios que cercam a nossa vida. Mas vou encerrar aqui, agradecendo a Ashton por mais uma viagem via queda pela toca do Coelho de Alice. Para uma sexta-feira cinzenta e fria em São Paulo, foi rock and roll demais. Amei! E uma coisa é certa, vou seguir Kevin Ashton para sempre!




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