quinta-feira, 3 de novembro de 2016

MUITA COISA ESTÁ FORA DA ORDEM

Interpretar o comportamento social é tarefa que mobiliza especialistas de diferentes áreas: Sociologia, Antropologia, Economia, Psicologia, Publicidade, Marketing, Comunicação, enfim todos aqueles que estão em busca senão de respostas, ao menos de pistas para um reposicionamento estratégico que possibilite a interação significativa com os diferentes grupos sociais.Relacionamento, Comunicação, Educação são relacionais, isto é, dependem de troca mútua.

Há algum tempo, talvez intuitivamente, mas certamente apoiada por indícios reais, tenho afirmado que algumas situações - como os resultados das eleições em 2016 - não são acaso, mas reflexo da responsabilidade exigida do cidadão [trabalhador, aluno, avós, pai, mãe, filho, empreendedor] todos os dias. Resultados! A sociedade inteira é cobrada por resultados e, em contrapartida, passou a reivindicar o mesmo das empresas e do Estado.


Às vésperas deste último feriado, acompanhei com espanto ao programa Roda Viva, transmitido pela TV Cultura, não pelo conteúdo em si, que me é familiar por outros canais de acesso, mas pela repercussão. O historiador Leandro Karnal e o filósofo Luiz Felipe Pondé foram entrevistados por YouTubers e influenciadores como Hugo Gloss, PC Siqueira, Dani Noce, Paulo Cuenca, Taty Ferreira e Cauê Moura. As ilustrações exibidas durante o debate foram de Carlos Ruas.

Além do natural prestígio dos entrevistados, a presença dos influenciadores foi decisiva para o consumo do conteúdo apresentado pelo programa: campeão absoluto na mobilização doTwitter naquela noite. O que isso exatamente quer dizer, considerando que estamos em um país que apresenta comprovados níveis sofríveis de escolarização? O que isso quer dizer? Foi um fato isolado? Não! Professores como Leandro Karnal, Luiz Felipe Pondé, Mário Sérgio Cortella, Gustavo Cerbasi, Gil Giardelli, Martha Gabriel, Silvio Meira são sucesso antes dessa poderosa rede formada por influenciadores renomados, assim como o Professor Pachecão e outros que conquistaram seu próprio espaço junto ao público de todas as idades, especialmente entre os mais jovens. 

Cidadãos ou colaboradores em busca de resultados?

Ontem, feriado, li uma matéria publicada pelo jornal digital Nexo, que mostrou uma entrevista com o antropólogo da Unicamp Carlos Gutierrez, analisando o processo de desconstrução das classes sociais no Brasil (clique aqui). Acho que não existe uma só resposta para cada fenômeno do mundo, porém as evidências colecionadas em anos de estudo por Carlos Gutierrez são, no mínimo, esclarecedoras. Por isso, vou destacar alguns trechos:

1. Abandonamos dicotomias (tipo patrão/empregado) para adotar um posicionamento de colaboradores de um mesmo ideal.
Pode parecer romântico mas, na prática, a história é outra! A sociedade participativa e a economia colaborativa há tempos são anunciadas no Brasil notadamente por Gil Giardelli e Silvio Meira. Além das pesquisas acadêmicas, o mercado passou por exemplo a oferecer espaços de coworking.  Substituiu os títulos de empregado, funcionário, trabalhador por colaborador. Trocou a hierarquia e as estrutura verticalizadas por gestão participativa.

2. Em razão do desemprego e condições , os trabalhadores formais são forçosamente transformados em empreendedores e colaboradores sem vínculo empregatício
Não se trata exatamente de opção, mas uma reação adaptativa às mudanças locais e globais e a esta etapa do capitalismo. Esse grupo, hoje, tem sido chamado de "batalhadores".
"Hoje, no Brasil, 35,4% da população adulta possui negócio próprio, índice superior à China e aos EUA. Evidentemente, parte desse crescimento pode ser explicado pelo aumento de formalizações de negócios já existentes, mas 45% dos novos empreendedores trabalhavam antes com carteira assinada, o que indica um aumento considerável. Nas favelas, 40% dos moradores deseja ser dono do próprio negócio".
3. Com o empreendedorismo, os acordos individuais substituem soluções coletivas
Com a tendência para que todos sejam empreendedores, há uma precarização das relações de trabalho, estruturadas no século 20. Regras coletivas de negociação são substituídas por acordos individuais. Isso provoca, é claro, uma queda na arrecadação para a Previdência.

4. Os ex-assalariados são empreendedores interessados em resultados e lucros
Diante da perda de representatividade e credibilidade, os embates políticos e sindicais deixaram de fazer sentido. Novos interesses tê mobilizado os empreendedores que se interessam por temas que transformem o dia a dia na prática, como carga tributária, segurança, condições de empréstimo para pequenos empresários. De onde vem esse comportamento? Ora, resposta ao mercado! Mais do que escolarização e ascensão social, trata-se de sobrevivência, muito provavelmente desordenada e mal planejada [como acontece com o crescimento urbano], mas sobrevivência!
"No Brasil, a atividade industrial diminuiu em ritmo muito mais acelerado do que a taxa mundial, devido à financeirização da economia e ao crescimento da taxa de juros que favoreceram mais o capital especulativo".
Para quem trabalha com Previdência Complementar

Ainda que o cenário de recessivo ainda seja desfavorável, entendo que o perfil social mais do que nunca está favorecendo o diálogo pautado por temas previdenciários: poupança de longo prazo, segurança na aposentadoria, vantagem tributária, finalidade não lucrativa da Previdência Complementar Fechada, especialmente os fundos de pensão instituídos, que atendem especialmente profissionais liberais.



Há oportunidade para o surgimento de novos influenciadores. Hoje, há mais facilidade para essa troca simbólica, considerando que:

1. as PESSOAS estejam mais familiarizadas com o ambiente alterado pela financeirização da economia que, inegavelmente, foi responsável pela democratização de uma nova gramática: negociação de tarifas e despesas, débito automático, aquisição de crédito, taxa de juros, rentabilidade, portabilidade, uberização, participação nos lucros, crowdfunding, fintechs (Nubank, Original) deixaram de ser reduto dos investidores institucionais; circulam e não causam espanto em todas as esferas. 
2. Por meio especialmente das redes sociais, as PESSOAS têm acesso a todos os conteúdos e aqueles que elas descobrem que são úteis, funcionais e têm valor - seja filosofia, história, tecnologia, cybercultura, humor, moda, literatura, culinária, futuro, inovação - elas absorvem, aprendem sobre e consomem! Os retóricos, elas descartam. 

"A linguagem de um povo não é apenas um instrumento de comunicação na vida prática: ela incorpora elementos simbólicos e figurativos da cultura e traz inscrita em si mesma um modo particular de pensar e sentir. Há uma forma de vida embutida em nossa língua falada - a língua fala. [...] A mistura de línguas do povo 'inventa línguas' [brasileiro] é a mistura dos genes por outros meios. 'O que quer, o que pode essa língua'". Eduardo Giannetti, in Trópicos Utópicos, p. 161-162

Nenhum comentário:

Postar um comentário